O que é o EU Cyber Resilience Act (CRA), por que ele importa e quem deve se adequar?
O avanço da transformação digital trouxe ganhos expressivos em produtividade, conectividade e inovação. Contudo, esse processo também intensificou a superfície de ataque de organizações e consumidores. De acordo com o relatório ENISA Threat Landscape 2022, a exploração de vulnerabilidades foi a causa mais comum de incidentes de segurança reportados no período analisado (ENISA, 2022). Essa lacuna entre inovação tecnológica e resiliência cibernética evidenciou a necessidade de uma resposta regulatória coordenada no bloco europeu.
É nesse cenário que surge o Cyber Resilience Act (CRA), regulamentação da União Europeia que entrou em vigor em 2024, com aplicação gradual de suas obrigações e implementação completa prevista para dezembro de 2027. O CRA estabelece requisitos obrigatórios de segurança cibernética para produtos com elementos digitais comercializados no mercado europeu, definindo um novo padrão de proteção para consumidores e empresas (European Commission, 2023).
Motivações para o CRA
O CRA responde a dois problemas estruturais:
- Baixo nível de segurança em produtos digitais
Estudos indicam que 70% dos dispositivos IoT testados apresentavam vulnerabilidades graves/risco de ataque (HP Wolf Security Report, 2022). Muitos desses dispositivos não possuíam garantia de atualização ou correção.
- Falta de transparência para usuários e empresas
Consumidores finais e compradores corporativos frequentemente não têm informações claras sobre o ciclo de vida de segurança de softwares e hardwares, dificultando a gestão de riscos digitais.
Objetivos e Alcance do CRA
O regulamento estabelece que a segurança cibernética deve ser tratada como requisito essencial ao longo de todo o ciclo de vida do produto digital. Na prática, isso significa:
- Produtos entrando no mercado com menos vulnerabilidades conhecidas.
- Fabricantes responsáveis por manter atualizações de segurança durante o período declarado de suporte.
- Transparência para usuários sobre riscos, período de suporte e obrigações de atualização.
O CRA cobre todos os Products with Digital Elements (PDEs) — categoria que inclui desde hardware conectado (celulares, laptops, dispositivos IoT) até software crítico ou de uso generalizado, como sistemas operacionais, aplicativos e bibliotecas de código.
A obrigação recai não apenas sobre fabricantes, mas também sobre importadores, distribuidores e provedores de componentes digitais.
O que muda para as empresas
A partir da entrada em vigor do CRA, segurança deixa de ser um diferencial de mercado e passa a ser uma exigência regulatória. Isso representa uma mudança de paradigma:
- Produtos inseguros não poderão ser comercializados no mercado europeu.
- Organizações precisarão adotar práticas robustas de secure-by-design e secure-by-default.
- Custos de não conformidade incluem não apenas multas (até €15 milhões ou 2,5% do faturamento anual global, o que for maior), mas também restrições de mercado.
Implicações estratégicas
Embora represente desafios de adaptação, o CRA também abre oportunidades:
- Empresas que se anteciparem ao cumprimento das exigências poderão conquistar vantagem competitiva pela maturidade em cibersegurança.
- O alinhamento com o CRA pode servir de diferencial para exportação em mercados que tendem a adotar regulações semelhantes (ex.: EUA e Reino Unido avaliam medidas inspiradas no CRA).
- Fabricantes e fornecedores de software terão incentivo a investir em ciclos de atualização contínuos e governança de vulnerabilidades.
Conclusão
O Cyber Resilience Act representa um marco regulatório que redefine a relação entre inovação e segurança cibernética na União Europeia. Se antes a pressão por velocidade de lançamento de produtos sobrepunha-se à resiliência, agora a lógica é inversa: sem segurança, não há mercado.
Para empresas de tecnologia, a adaptação exigirá esforços de compliance, processos internos mais rigorosos e investimentos em segurança ao longo do ciclo de vida dos produtos. Mas, ao mesmo tempo, representa uma oportunidade de diferenciação estratégica e de consolidação em um mercado europeu mais seguro e transparente.
Quem precisa se adequar ao EU Cyber Resilience Act (CRA) e quais produtos estão no escopo?
O Cyber Resilience Act (CRA) é um dos regulamentos mais abrangentes já propostos pela União Europeia em matéria de segurança cibernética. Ele complementa iniciativas como a Diretiva NIS2 e o General Data Protection Regulation (GDPR), mas foca especificamente em Produtos com Elementos Digitais (PDEs). Estima-se que falhas em dispositivos conectados e software embarcados causem anualmente perdas superiores a €5,5 trilhões globalmente (World Economic Forum, 2022).
Diante desse cenário, a legislação europeia busca garantir que a resiliência cibernética seja incorporada desde o design até o ciclo de vida dos produtos digitais.
Quem deve se adequar?
O CRA impacta toda a cadeia de suprimentos de PDEs comercializados no mercado europeu. Isso inclui:
- Fabricantes: responsáveis por projetar, desenvolver e lançar produtos conformes desde a concepção.
- Importadores: devem assegurar que produtos oriundos de fora da UE atendam aos requisitos.
- Distribuidores: obrigados a verificar a marcação CE e conformidade antes da venda.
- Provedores de componentes e software: mesmo que não vendam diretamente ao consumidor, são corresponsáveis pela conformidade do produto final.
Essa abordagem amplia a responsabilidade: qualquer empresa que introduza hardware ou software no mercado europeu precisa olhar para o CRA.
Produtos dentro do escopo
O regulamento abrange uma ampla gama de hardware, software e serviços associados:
- Hardware: laptops, smartphones, eletrodomésticos inteligentes, relógios conectados, roteadores, equipamentos de rede e CPUs.
- Software: sistemas operacionais, jogos, aplicativos móveis, bibliotecas de software, sistemas embarcados e ferramentas de telemetria.
- Serviços associados: soluções de processamento remoto de dados vinculadas a PDEs.
Um exemplo concreto: roteadores domésticos são frequentemente usados como porta de entrada em ataques a redes corporativas. Segundo a Verizon (2022), mais de 40% dos incidentes de invasão de pequenas empresas tiveram origem em equipamentos de rede mal configurados ou não atualizados.
Produtos fora do escopo
Alguns produtos digitais não estão sujeitos ao CRA:
- Websites e SaaS que não processam dados de PDEs, já cobertos pelo NIS2.
- Produtos regulados por legislações setoriais, como dispositivos médicos (MDR), veículos (UNECE R155/R156), equipamentos aeronáuticos e marítimos.
- Produtos para uso exclusivo de segurança nacional.
- Software Livre e de Código Aberto (FOSS) não comercializado — embora haja exigências mínimas quando envolvem serviços pagos ou suporte profissional.
Classificação dos produtos por risco
Para calibrar a aplicação do regulamento, o CRA divide os PDEs em quatro categorias:
- Default: cerca de 90% dos produtos de consumo, como smart speakers ou softwares de edição.
- Classe I – Importante: produtos de função essencial, como sistemas operacionais, antivírus, roteadores e assistentes virtuais.
- Classe II – Importante: riscos mais elevados, como hypervisors, firewalls, sistemas de detecção de intrusão e microprocessadores seguros.
- Críticos: PDEs cujo comprometimento pode afetar infraestruturas essenciais, como módulos de segurança de hardware, smartcards e centrais de medição inteligentes.
Quanto maior a criticidade, mais rigorosos serão os processos de avaliação de conformidade, que podem exigir auditorias externas e certificações independentes (European Commission, 2023).
Conclusão
O CRA não se limita a grandes players de tecnologia — ele envolve toda a cadeia digital que abastece o mercado europeu. Para algumas empresas, a adequação exigirá ajustes operacionais; para outras, representará uma transformação profunda em seus ciclos de desenvolvimento, manutenção e atualização de produtos.61
Mais do que uma obrigação regulatória, o CRA pode se tornar um diferencial estratégico: empresas que investirem desde já em conformidade e segurança aumentam sua competitividade no mercado europeu e se antecipam a tendências regulatórias que tendem a se espalhar globalmente.